Sim, esse mundo anda meio estranho... ou eu que ando meio, assim... Ta tudo de cabeça pra baixo, acredite. E não, isso não é ruim. Muito pelo contrário. Tende a ser bom, muito bom. As coisas estão mudando, e bastante, e quem não quer, vai ficar pra trás. Vai se tornar um pária. Acho que, se antes as pessoas eram excluídas com base em cor, orientação sexual, aspecto físico, deficiência de qualquer tipo, gênero e etc etc etc, em pouco tempo, as pessoas serão excluídas (ou se excluirão) pelo pensamento. Retrógrado, excludente, extremista, maldoso, sem empatia. Ou algo assim...

Cresci assistindo diversos programas de televisão. Penso que a minha esteve entre as primeiras gerações que tiveram o televisor e o vídeo-game como babás (ou quase isso) e, assim, assisti a “Os Trapalhões”, “Tom e Jerry”, “Pernalonga”, “Chaves”, “Chapolin” (não gostava muito dele, na verdade, mas assistia) e uma infinidade de outros programas que, hoje, (quase) todo mundo tem saudade. “Eram bem melhores que os programas de hoje”. “Os desenhos ensinavam alguma coisa”. “Não tinha violência, não tinha maldade”. E um monte de outras afirmações que ouvimos e lemos por aí. Mas...bem... honestamente, com toda essa história de pensar e repensar, ler, estudar, ouvir, simpatizar, empatizar, observar e refletir, lamento dizer que, na minha opinião, ta tudo contaminado por um saudosismo tolo, míope (muito míope) e, de certa forma, afirma um punhado de outras coisas que tenho lido recentemente que afirmam mais ou menos que o preconceito e a violência (de gênero, etnia, classe social e mais uma pá de coisas que se podem incluir nesse espaço entre parênteses) estão tão entranhados e embutidos na nossa sociedade, na nossa criação, na nossa visão de mundo, que somos incapazes de perceber isso. Exemplifico.

“Os Trapalhões” era uma série de humor inocente e ingênuo, sem maldade, com piadas singelas e divertidas, voltadas ao entretenimento das famílias. Balela. Era racista, homofóbico, xenófobo, divulgador de caricaturas estigmatizadas e não condizentes com a realidade. O Mussum tinha apelidos que hoje considero horrendos, ofensivos, que certamente seriam duramente criticados em qualquer programa televisivo atual, não sem razão. O Dedé, que reagia a um assobio como um peru, numa “sutil” sugestão de que seria homossexual, era alvo de piada com isso, como se a suposta orientação sexual do personagem fosse algo a ser caçoado. O Zacarias seguia uma linha parecida com a do Dedé, além de ser zombado por ser careca, baixo, de voz fina. E o Didi, o espertão da turma, o nordestino preguiçoso, malandro, que dava nó em pingo d’água e sempre tentava sair por cima, reforçando uma imagem pejorativa.

O “Chaves”, tão elogiado como um humor simples, sem maldade também, sem piadas ofensivas e sem baixaria, é gordofóbico e machista. O Nhonho sofre nas mãos de quase todos, e dificilmente consegue se sair bem, até onde vai minha memória. As personagens femininas estão relegadas aos papéis de donas de casa, apenas, sempre à espera do grande amor. Dona Florinda, viúva, mãe solteira, sempre à espera do prof. Girafales, que parece ser sua única fonte de alegria, sendo que ela até deixa o próprio filho de lado quando aquele aparece. Dona Clotilde, solteirona de meia idade, vive sozinha, mas sempre tentando de alguma forma chamar a atenção e conquistar o Seu Madruga, como se o casamento fosse efetivamente a única forma de ser completamente feliz.

E as várias outras séries e programas da época, que, de verdade, refletiam o que vivíamos no tempo. Eram um retrato do momento, das nossas crenças, da nossa estrutura, e o único objetivo era distrair, ocupar a cabeça dos telespectadores. Eu suponho...

Era engraçado sim, na época... e bastante. Tenho até DVD com mais de 7 horas dos melhores momentos de “Os Trapalhões”. Mas, sinceramente, não tenho tanta coragem de assistir...não mais. Apesar de lembrar com saudade do programa, hoje vejo uma série de debates que me fazem repensar o que eu assistia, quando menino. Todas lutas que não são minhas, na verdade... Sou homem, heterossexual, branco, paulista, estatura mediana, estrutura corporal também mediana, com cabelos lisos, sem marcas diferentes no corpo e nenhuma deficiência física ou intelectual. Não preciso me proteger de nada, e nunca fui efetivamente atingido por tudo isso que comento. Mas, quanto colaborei pra que tudo isso se perpetuasse? Quanto interferi no processo de auto aceitação dos colegas com quem convivia? Quanto os ofendi, dentro daquilo que talvez fosse o mais difícil de ele mesmo aceitar? Difícil dizer...

“Mas bullying constroi caráter”, diriam (dizem) alguns. Teu cu. Não me considero vítima de bullying em nenhuma fase da minha vida, mas sim, ouvi muita gozação por diferentes motivos, como usar óculos, ter uma barriga que nem sempre (nunca) foi sarada, ser loiro, e mais algumas coisas que hoje considero bobagens. Mas que na época, não considerava tanto assim... E só eu sei o impacto que todas essas coisas tiveram em mim, pro bem e pro mal. Aprendi a rir de mim mesmo e, assim, me divertir também, me enxergar com algum humor e leveza e, ao mesmo tempo, brincar com os outros e, algumas vezes, desarma-los na brincadeira que buscava me machucar. Mas isso também me afetou muito, negativamente. Tive alguns problemas de auto estima e auto imagem que demoraram a se resolver... e que, sinceramente, ainda me atingem, ocasionalmente, embora em escala muito menor hoje. “Só isso, Fred?” Sim, só isso. Mas esse fui eu. Que tive, junto, uma série de outros fatores que me favoreceram na lida com isso, principalmente pessoas (amigos, familiares) que me inspiravam em um sentido melhor, me mostravam e me ajudavam a enxergar as coisas de outras formas, tanto as boas quanto as más. Mas nem todos têm uma família presente e compreensiva, um grupo de amigos inspiradores, ou qualquer tipo de suporte.

Por isso, e por muitas outras coisas que ando lendo e refletindo, discordo totalmente do que alguns chamam de “geração mimimi”. Acho que somos a geração que está começando a mudar efetivamente esse mundo moderno. O primeiro cara, aquele que foi o grande exemplo e que, na minha humilde opinião, deve sempre ser lembrado, independente de religião, foi Jesus de Nazaré. O cara efetivamente trouxe uma mensagem de amor pra lá de linda e maravilhosa, e revolucionou tudo na sua época. Mas, claro, somos todos meio estranhos e atrasados ainda, então começamos a interpretar tudo conforme o interesse próprio de cada categoria e, aí, já sabe, né? Cruzadas, Inquisição, Jihad, Protestantismo, e um tanto de outras denominações e embates, segundo a vontade de cada um entender. Mas a mensagem agora, que não vem de uma figura só, mas de algumas centenas de milhares (milhões, bilhões) delas, é que as coisas não estão certas. Nossa sociedade e nossa estrutura não está certa. Ela exclui, ofende, mutila, machuca, humilha, diminui, oprime. E mata. Muito. Dolorosamente... Então, você, meu caro, que pensa que é tudo mimimi, saiba que não, não é. Mimimi é você, quando afirma isso, pedindo que a sociedade continue como está, fazendo tudo aquilo que citei há pouco, querendo, talvez, manter o seu direito de fazer o que bem entender com a consciência limpa porque “é só uma brincadeira”, “não foi por mal”, “era só uma piada”. Não é. Saia da sua zona de conforto mental e social, por favor. Coloque-se no lugar dos outros, daqueles que há tantas gerações sofrem todo tipo de violência, tão impregnada e naturalizada que é difícil distinguir uma piada inocente de uma agressão ofensiva. Muito difícil, mesmo. Mas eu acredito que vamos chegar lá, numa sociedade que faz piadas sem ofender, sem humilhar. Que vai se divertir e rir muito, sem precisar de nenhum tipo de agressão pra isso. Fácil não vai ser, temos que abrir a própria barriga e procurar coisas que estão tão enraizadas em nós que, quando retiradas, vão causar hemorragias impensáveis. Mas vão curar, a si mesmo e ao próximo. E o mundo vai ser bem mais agradável.

Um comentário:

  1. Eu concordo. Por muito tempo determinadas agressões foram negligenciadas - ações que afetam consideravelmente a vida de uma pessoa. A mudança de atitude é indispensável, onde a empatia torna-se fundamental.

    O seu blog é impressionante!
    Parabéns.

    Beijão!
    Blog: *** Caos ***

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