Evangelho Apócrifo do dr. Alfredo


Aviso: contém ironias, críticas, blasfêmias e deboche. Pessoas que se incomodam com cenas de sexo explícito podem ler à vontade, mas os que se incomodam com baboseiras blasfêmicas são aconselhados a clicar no link “Próximo blog”.


Dentre os evangelhos apócrifos, existe um que é muito pouco divulgado. Ouvi falar dele tempos atrás, e resolvi pesquisar um pouco mais. Meio difícil encontrar informações, mas vou contar aqui um breve relato de uma das passagens que descobri até o momento...

Trata-se do evangelho do dr. Alfredo, o único médico evangelista, e o principal motivo de ser tão pouco divulgado, é que os próprios contemporâneos questionavam suas escrituras, pois ele não só trazia informações sobre a vida de Cristo, um tanto quanto divergentes do que conhecemos hoje (haja visto que esse é o principal conteúdo dos evangelhos apócrifos), como também descreve vários tópicos que modificariam o Velho Testamento, já naquela época um livro consolidado e dogmático e, portanto, inquestionável.

A passagem que pretendo comentar trata especificamente da Gênesis, a criação do mundo tal qual ele é. Na tradição do Velho Testamento, diz-se que o mundo foi criado em 6 dias e, no sétimo, Deus descansou. No entanto, dr. Alfredo relata, em seu texto, que há um oitavo dia. Depois de descansar o suficiente, Deus teria então acordado e, no geral, encontrou sua obra tal qual havia deixado. Entretanto, ao observar Adão e Eva no Jardim do Éden, observou que ele estava gripado e ela havia torcido o pé tentando alcançar frutas no alto das árvores. Teria, então, observado por um tempo, refletindo sobre o que fazer... Poderia curá-los sem dificuldade, entretanto, já havia dado livre-arbítrio e autonomia às suas criações, e não pretendia instituir uma política intervencionista em excesso, pois imaginava que poderia atrapalhar o desenvolvimento do seu projeto, criando uma dependência excessiva por parte de sua autoridade e poder. Pensou que haveria de criar algo mais, de forma que pudesse assistir o Homem, indiretamente. Entretanto, olhando ao redor, percebeu que carecia de matéria-prima.

Já havia usado poeira cósmica para criar o firmamento e a terra, e utilizando estes subprodutos, criou todos os seres viventes, sendo o último Adão, à sua imagem e semelhança, como é sabido. Aqui, surge uma nova divergência. Este evangelista descreve que, ainda no sexto dia, todos os seres viventes foram criados únicos, apenas um indivíduo de cada espécie, inclusive o homem. Originalmente, Adão tinha 25 costelas. Sim, isso mesmo... parece estranho, eu sei, mas eram 25 costelas: 12 pares no tórax, e a 25ª era um esporão que saía logo abaixo da sétima vértebra cervical, curvado para cima, e o objetivo era proteger sua criação máxima de ataques de feras sanguinárias. No entanto, depois de observar seu projeto por um tempo, percebeu que Adão se sentia solitário e triste, apesar de toda a perfeição do Éden. Lembrou-se também que, com tanta perfeição, as feras sanguinárias não atacariam ninguém, pois não seria necessário. E aquela costela-ferrão estava bastante estranha... Daí, esta foi a costela utilizada para criar o par de Adão. Inicialmente criado à sua imagem e semelhança também, Deus gostou bastante da ideia de formar pares (algo que não conhecia até então, haja visto que é Único), mas não curtiu muito a ideia da simetria. Assim, transformou a segunda cria em mulher, surgindo Eva, e depois finalizou a criação de uma fêmea para cada espécie do Jardim.* Assim, no oitavo dia, refletindo, percebeu que não podia mais usar as mesmas matérias-primas, com risco de esgotar os recursos disponíveis. Por isso, olhando para Si próprio, decidiu usar uma costela Dele mesmo para sua nova obra. E assim, foi criado o primeiro médico, feito à Sua imagem e semelhança e do mesmo material que Ele mesmo era feito. Uma nova entidade, suprema, onipresente, onipotente, detentora de todo o conhecimento acerca do bem e do mal e da vida humana na Terra.

Assim que lhe tomou consciência, o primeiro médico viu-se nu. Voltou-se ao Criador e disse que, desse jeito, era impossível trabalhar, uma vez que não era um ser vivo qualquer, tendo sido feito do material divino supremo e, portanto, exigiu que fosse diferenciado. Deus lhe deu um jaleco, confeccionado de nuvens alvas (daí a cor branca), com botões feitos de material extraído das estrelas. Quando lhe foi mostrado o Jardim do Éden, voltou-se novamente ao Criador, e afirmou que as condições insalubres não seriam adequadas para execução do seu trabalho. Assim, Deus moveu montanhas e modelou árvores, e fez o primeiro consultório, com móveis adequados de mogno e marfim. Ao ouvir o trabalho que se esperava dele, o médico novamente encarou o Criador e disse que, certamente, atenderia aos moradores do Éden, mas que, infelizmente, trocar curativos, administrar medicações, aferir sinais vitais, não era atribuição de um médico de alto nível, o primeiro, criado de matéria divina, vestido de nuvens e estrelas. Assim, Deus tirou seu coração, já que o mesmo não lhe faria falta, e deste, fez a primeira enfermeira, vestiu-a com um avental confeccionado com a espuma das ondas dos mares e botões de pedras preciosas dos fundos dos vales terrenos. Por fim, o médico demandou uma jornada máxima de 20 horas semanas, pois mais do que isso seria extenuante e, portanto, o deixaria muito cansado e poderia prejudicar sua acurácia mental e habilidade física.

E assim, conta dr. Alfredo, o médico evangelista, fez-se a primeira equipe de saúde do mundo. O médico, criado da mesma matéria do próprio Senhor, destinado a diagnosticar e determinar o tratamento de todas as moléstias que atingem a Humanidade, trabalhando 20 horas semanais (com outras tantas horas extras por fora, insalubridade de 120% do salário mínimo e vaga de estacionamento na sombra) em seu consultório (não bata na porta, aguarde ser chamado). A enfermeira, feita de puro coração, destinada a servir obedecer se submeter auxiliar o médico em seu trabalho, eternamente vigilante ao lado dos assistidos, em jornadas de duplos vínculos de 40 horas cada, com uma hora de descanso por plantão (se não tiver cirurgia marcada). 

O evangelista ainda relata a criação das outras profissões da saúde, subordinadas submissas obedientes complementares à assistência ao Homem, mas prefiro não comentar aqui, pois achei meio... escatológica... 

*Como se pode observar, Deus criou pares diferentes e complementares e, portanto, os pares devem se unir. Por isso, dois iguais não reproduzem e não devem se acasalar, haja visto que é puro pecado e contra a natureza determinada pelo próprio Criador.

Um comentário:

  1. Pois é...
    Ênfase na mecanização dos procedimentos, que muitas vezes não permite nem o contato visual. Interesse pelo paciente? Não, não precisa.

    Beijão!
    Blog: *** Caos ***

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