Hoje assisti "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", um filme já um pouco antigo e que eu conhecia a premissa, mas não tinha assistido ainda. Foi indicado como um filme para refletir sobre o amor e no primeiro momento, eu achei que era sobre o sentimento. Mas, depois de assistir, minha impressão é que o filme fala sobre o amor num sentido mais amplo, mais contruído. Por amo, aqui, quero dizer o amor "romântico" das relações afetivo-sexuais. Me fez pensar muito sobre duas etapas da relação: o encanto e disposição iniciais, geralmente alimentados pelo frescor de uma flor brilhante, colorida, perfumada. E, na sequência, o trabalho e empenho (ou a falta destes), quando a flor cai e começa a crescer um fruto, que precisa de proteção, nutrição, atenção, para que possa literalmente amadurecer e dar continuidade à árvore de onde nasceu. E essa é, certamente, a parte mais difícil, pois requer muito esforço e disposição. Muita reflexão, atenção, ouvido, responsabilidade, comprometimento, desapegos. E entender que as pessoas são dinâmicas e mutáveis. Tudo isso também passa pela maturidade de, às vezes, perceber, compreender e aceitar o fim de um ciclo. Uma relação que deu certo muito tempo não passa a "dar errado" de repente. Rumos vão se alterando aos poucos e, quando não é mais possível conciliar, deixar ir e/ou escolher ir pode ser a melhor opção. E aí, me fez pensar também numa terceira etapa: o depois do fim. Um fruto que não amadurece por inteiro não é capaz de gerar novas árvores. Um fruto adoecido também não. E se cair num solo inadequado, mesma coisa. Os frutos como relação e o solo como pessoas, quando são destruídos e desgastados, ficam limitados pra produzir novas coisas boas. Podem até gerar danos muito além dos diretamente envolvidos, afetando famílias, amigos, filhos, futuras relações. Pode provocar uma cadeia de sofrimento a perder de vista e, aqui, penso que o respeito é essencial. Respeito aos valores, sentimentos, corpo, história, escolhas. De si e do outro. Muito bonito, muito simples de escrever e, pra alguns, fácil de entender e concordar. Mas, a velha e eterna história: somos humanos, falhos. Errar é intrínseco à nossa natureza. A gente não consegue fugir disso, infelizmente. Mas o que também ficou do filme é rever, reavaliar, aprender e crescer, pra pelo menos tentar cometer novos erros.


"Nem se eu quisesse, eu poderia te esquecer. O que são memórias da mente, se o corpo pede teu toque? Se meu nariz sente teu cheiro e minha alma sente tua presença? Ainda que eu morresse agora, você estaria impressa no meu cerne, no mais íntimo do meu ser. Cada onda do que me compõe guardaria um pedacinho de você dentro de mim."

“Se você tem um plano B, para antes. Vai viajar, passear na praia, andar na areia, fazer o que gosta.” Não são as palavras exatas, mas foi mais ou menos o que ouvi de uma paciente hoje. Sessenta e poucos anos, cabeça funcionando super bem, corpo já nem tanto assim. Uma história arrastada de uns poucos meses prostrada, diarreia com sangue e outras coisas, que na investigação acabou descobrindo que era um câncer e já tinha invadido alguns órgãos. A maior queixa dela, nesse momento, era a perda da autonomia... não estar capaz de fazer e resolver as próprias coisas e depender de outros até pras coisas mais básicas. A maior preocupação dela era com o marido, que provavelmente estaria sozinho nessa noite e, talvez, com alguma dificuldade, pois já tinha seus próprios problemas de saúde, limitações e dores. E era ela quem ajudava e fazia companhia pra ele. Ter pacientes conscientes, acordados e lúcidos internados em datas como natal e ano novo é sempre um pouco mais doloroso e desconfortável. Embora eu esteja razoavelmente acostumado a isso, pois há bastante tempo trabalho nesse sistema, ainda sinto cada feriado longe dos meus. Ainda sinto a distância, que só fez aumentar nos últimos quase dois anos. E esse ano, especificamente, eu queria estar em tantos lugares e com tanta gente, que ficou um pouco mais doloroso. E conversar com ela, nesse momento tenso, cheio de dúvidas e incertezas, quando ainda nem sabe qual a própria perspectiva de tempo e futuro, mexeu um bocado mais comigo. “Você precisa ser um pouco psicólogo, né”, ela disse num certo momento. Não, não preciso e nem posso, pois não sou formado e capacitado pra isso. Sou apenas um bom ouvinte (tá até no meu nome, não posso evitar) e, estudando a filosofia e as técnicas dos cuidados paliativos, pude aprimorar isso um pouco mais. Aprender a ouvir melhor e acolher, trazer conforto, validar a dignidade e a vida de quem precisa disso, por qualquer motivo que seja. E um plantão tranquilo, como o de hoje, às vezes é um pouco mais difícil, porque dá muito tempo pra pensar. E pensar, com bastante frequência, leva a gente pra lugares desconfortáveis. Acolher, ouvir, validar e incentivar o outro, são tarefas relativamente fáceis. Quando aprendemos a deixar o ego e o julgamento de lado, por um pouco que seja, nos tornamos uma folha em branco onde pode ser colocada qualquer história e, muitas e muitas vezes, tudo que o outro precisa é de uma folha em branco, falar em voz alta pra se ouvir e, assim, fazer as próprias reflexões e enxergar a si. Mas quando você, a folha em branco agora preenchida, volta pro seu lugar e observa tudo que foi colocado ali, faz a sua própria reflexão. Por quê? Como? Quando? Até quando? Eu tenho um plano B. E não é um plano ruim. E ainda não consigo entender completamente o que me impede de colocar em prática esse plano, fazer acontecer e enfim girar a roda da vida pra próxima etapa. Medo da liberdade? Da responsabilidade? Da exposição? Da instabilidade? Ou um pouco de cada, talvez. Ainda não tenho tudo isso muito claro, infelizmente, e nem sei dizer se algum dia terei. Existe algo tão ruim em mim que tenho medo que as pessoas vejam? Existe algo tão grandioso em mim que tenho medo de me tornar um alvo? Ou é pura e simplesmente negação da humanidade, de aceitar que sou tão grandioso quanto ruim? Eu não sei. Eu realmente não sei. Mas tá tudo estranho, desconfortável. Como se esse mundo estivesse se fechando e ficando apertado e, de repente (nem tão de repente assim, na verdade) eu já não estou mais cabendo aqui. Tem uma ansiedade e uma sensação de urgência queimando, a impressão de uma brasa que, a qualquer momento, pode virar um incêndio e queimar tudo ao redor. Pra hoje, um casulo. Decidi me fechar um pouco pro mundo por algumas horas, desligar, esvaziar. Pra amanhã, continuar o projeto de fim de ano: limpar a casa, organizar o lar e tirar tudo que já não me serve mais. Reciclar, ressignificar, ou simplesmente jogar fora mesmo. No meio desse processo, a expectativa é fazer o mesmo com alguns sentimentos, sensações, coragens e medos, tirar tudo que tá acumulado e abrir espaço pra coisas novas. Espero conseguir entrar no próximo ano com o mínimo de tralhas possível. Na casa, na cabeça, na alma e no coração. E pro ano que começa em breve, ter a coragem de dar um salto de fé. Dar o passo que venho ensaiando há tanto tempo: o primeiro.
Hoje soube do falecimento do avô de uma amiga muito querida. E aí, meio inevitável, a gente revive tudo. Três avós falecidos, em momentos diferentes da minha vida, com maturidades e sentimentos e compreensões diferentes. Mas a saudade sempre fica, né? Não dá pra evitar. Chega uma hora em que a gente se acostuma com a ausência, aprende a valorizar a lembrança, mas a saude efetivamente nunca deixa de existir. Tá sempre na sala, igual um gato. Às vezes em cima da gente, outras escondido embaixo do sofá, mas sempre por ali. À espreita. Ando especialmente sensível e dolorido nesses tempos de pandemia. Cansaço, trabalho, tensão, morte, apego, desapego, estudo, de vez em quando uma pequena luz de esperança no meio de tanta neblina que estamos vivendo. Tudo intenso, tudo transbordando, tudo estranho. E sem poder parar. Sem pausa. Consertando o motor enquanto o ônivus lotado continua andando, sem freio. E sozinho, na maior parte do tempo. A dor é sempre compartilhada, mas no final do dia, é sempre sozinho. Eu, meus pensamentos, minha dor, minha força, que a essa altura já nem sei mais se é força de fato ou a pura inércia, um objeto em movimento que simplesmente continua em movimento. Me afogo todo dia, prendo a respiração o quanto posso e respiro quando dá. É esse o sentimento.

As Crônicas da Vacilândia - O Bolinho do Marechal

Este trecho foi extraído do livro Nem Queria Mesmo – Memórias de um Primeiro Ministro, e relata os bastidores da administração da Vacilândia, revelando como foi contida uma potencial revolução de hereges usurpadores golpistas.