Toc toc
_ Quem bate?
_ É o Frio!
_ Que Frio?
_ Como, que Frio, é o Frio, ué!
_ Tá, mas Frio de quê?
_ ... É o Frio... o Frio da Solidão!
_ Tá, perae um pouquinho...
Silêncio.
_ Pronto, já tô decente... A porta tá aberta, pode entrar.
_ O que?
_ Pode entrar, ué.
_ Simples assim?
_ Por que? Precisa cerimônia? Entra logo, faz favor. Tem pizza...
Uma entidade, de pele enregelada coberta por uma leve camada de geada esbranquiçada, cabelos imóveis como se congelados, olhos vítreos e opacos e uma respiração constantemente arfante, expelindo uma discreta névoa em cada expiração, tocou a maçaneta e, para sua surpresa, a porta se abriu. Ainda com ela entreaberta, com a mão na maçaneta, ouviu:
_ Não repara a bagunça... Não tava esperando visita pra hoje.
E então o Frio terminou de abrir a porta e viu. Uma sala, razoavelmente ampla. Um sofá. Ou melhor, algo que talvez se revelasse um sofá caso fossem retiradas todas aquelas coisas amontoadas.
_ Senta aí...
_Num movimento com o braço, jogou um tanto de coisa pro chão.
_ É só um tanto de roupa suja, de boas. Pizza? É daquelas quadradas, mais pizza no mesmo tamanho de caixa!
_ ...
_ Você não é de falar muito, né? Ou eu sou de falar demais, não sei. De todo jeito, vai desculpando o mau jeito. Morar só há tanto tempo faz isso com a gente, tem que aproveitar quando tem visita pra tirar o atraso da conversa. Quer beber alguma coisa? Tem suco aqui, mas tá meio quente já. E tem refrigerante na geladeira também.
_ Eu...
_ Mas olhando bem, você tem cara de quem tá precisando de um chocolate quente. Aqui.
A entidade pegou o controle remoto do aparelho televisor que lhe era entregue.
_ Segura as pontas aí. Vou ali fazer o chocolate e já volto.
_ Tá...
_ Pode mudar de canal se quiser, já acabou o que eu tava assistindo. Já volto.
_ ... é quentinho aqui, né...
Ouviu a resposta se afastando:
_ É “calor humano” que chama. Gostoso, né?
_ Bastante... se não se importar, acho que vou ficar um tempinho aqui...
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