Financiamento recorrente, Problemas e A Sacanagem do Rei da Problemada

Financiamento recorrente. Sim, outra vez. A terceira vez é a que vale, certo? Espero que sim... Já falei sobre isso aqui e aqui, e dessa vez é sobre o Wesley Samp. O Wesley é um cara legal, apesar de morar em Brasília (convenhamos, a cidade não é exatamente bem frequentada). Usa uns chapéus estilosos (na opinião dele) pra esconder a dificuldade em pentear os cabelos e teve uma ideia muito, muito sacada: transformou problemas em arte. Literalmente. Duvida? Vai lá no Depósito do Wes e confere! O cara pegou todos os problemas e deu uma cara pra eles: uma lagarta gorda, esquisita, antenuda e esbugalhada, tão feia que ficou fofa! E ele tem clube também, o Clube dos Problemas & Cia. E o que tem de interessante lá? Isso:

Sim, tem café. Todo dia, pelo menos três vezes ao dia. Tem problemas parecidos com os nossos, e a terapia em grupo rola solta. E tem o Luiz Pascoal, que... bem... é um cara que até merece uma história à parte, talvez. Ele é citado com certa frequência aqui como “Marechal”. Que ele não me ouça (leia) falando (escrevendo) isso, mas ele faz diferença no ambiente, seja pro bem, seja pro mal. E enfim, chega de lálálá, abaixo a Crônica da vez, que é da Vacilândia, mas envolve Wesley, o Samp. E, eu garanto, é tudo verdade. Exatamente como contado. Pode acreditar.

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Esse trecho foi extraído do livro Nem Queria Mesmo – Memórias de um Primeiro Ministro, e conta sobre a nobre visita de um membro da realeza de outro reino, que trouxe um problema real, em busca da sabedoria infinita do Povo da Vacilândia. E da Minha Cortina.


Uma vez, tempos atrás, Eu estava em Meu Gabinete, primeiroministrando de forma exemplar, como é de se esperar de um Grande Primeiro Ministro, quando um homem bateu em minha porta. E eu não abri.

– Não tem ninguém – eu disse – pode se retirar. – Mas, lamentavelmente, um homem bateu em minha porta de novo. E dessa vez eu abri.

– Quié? – disse enquanto abria a porta, de forma tão rude quanto a interrupção.

Era Wesley, o Samp, Pinguíncipe do Norte, Rei dos Problemas.

– Vossa Problemajestade! – consertei, executando uma profunda reverência.

– Está ocupado, Primeiro Ministro?

– Muito, senhor. Imensamente. Meus Relatórios não se preenchem sozinhos, sabe. – ele pareceu não gostar muito do meu tom – Mas, para alguém de sua estirpe e realeza, sempre há tempo e todos os relatórios do mundo podem esperar. Até os Meus.

– Vim em busca do Rei Rafael I (e único) para pedir ajuda com um problema que surgiu em meu reino, mas fui informado que eu deveria conversar com você primeiro...

– Exato, Vossa Problemajestade. Embora eu seja Primeiro Ministro deste lindo e amado Reino, ele me trata como um reles estagiário. Quer dizer, todos os assuntos externos devem passar pelo meu crivo antes de chegar até Nossa Bocojestade. Mesmo um assunto de tamanha estirpe e realeza, espero que Vossa Problemajestade entenda.

– Passar pelo seu crivo? – disse o Rei dos Problemas, com certo ar de incredulidade, enfatizando o “seu” – Sério?

– Seríssimo. Mais ou menos. Talvez. E pelo crivo do Povo também. – respondi, contrariado – Além de me tratar como menino de recados, ainda não confia em mim. Francamente!

– Pelo povo? Então ainda será necessário um referendo popular para que eu consiga falar com ele? Oras, isso é absurdo! Quem ele pensa que é? Acha que a Vacilândia é melhor que Brasóliápolis?

– Não, Vossa Problemajestade! Nunca! O senhor não entendeu, não é necessário consultar o povo. Falo do Povo!

– Como? Não entendi...

– Vai entender em breve. Vou ligar para nosso SAC e tudo ficará claro como vidro fumê de gol rebaixado.

– SAC? Vocês têm um SAC na Vacilândia?

– Temos, senhor. Somos um Reino complexo, amplo, com uma história rica em revoluções, tradições, monumentos e personalidades de alto escalão. Mais ou menos. Talvez. Tipo isso. Só um momento, por favor.

– Vai demorar?

– Não, senhor. A ligação é rápida, 0800-SOUBOCÓ. O problema é o menu de auto atendimento. – respondi, e continuei, falando comigo mesmo – Três para falar com um atendente. Não, não tenho preferência por perfume do atendente, dois. Cinco pra pular a gravação, sete por não ser dia inútil, dois de novo pra provar que ainda estou na linha. Ah, ótimo. Agora, a música de espera... Alô? Sim, sou eu. Não! Espera, não desliga. Não, não estou tendo outro ataque de pelanca. Patricia... Patricia... Patricia... Me ouve, por favor. Sim, é um assunto sério. Rei Wesley. Sim, ele mesmo. Isso, o Samp. Não, não é o safadão, é o Samp mesmo. Eu sei a diferença entre eles. Por favor. Obrigado. – E em seguida, me dirigindo ao Rei visitante – Ela já está a caminho.

Tão logo terminei de falar, a porta se abriu:

– E não é que você estava falando a verdade? – era o Povo que adentrava Meu Gabinete – Rei Wesley, senhor – disse ela, com uma discreta reverência, puxando saco ao mesmo tempo em que tentava se colocar no mesmo nível de Vossa Problemajestade –, seja bem vindo ao nosso Reino!

– Ah, sim. Agora entendi. Então, o Primeiro Ministro falava de você! Mas sua sala fica a duas portas de distância, por que ele ligou para o SAC?

– Porque fui proibido de usar o ramal interno...

– Porque ele me ligava a cada cinco minutos pra fazer drama, toda vez que levava um esculacho de alguém.

– Eu não ligava tanto assim!

– Horas, Frederico.

– Oras.

– O quê?

– Você usou o termo errado.

– O que eu disse?

– Horas.

– E qual o certo?

– Oras.

– E o que eu disse?

– Horas.

– E qual o certo?

– Oras.

– E o que eu disse?

– Francamente, Patricia! Não precisa todo esse teatro só pra me fazer parecer mais inteligente! – eu respondi, encerrando aquele potencialmente interminável debate enquanto passava uma nota de oito bocoletas para sua mão em suborno, digo, agradecimento pela cena. Ela me devolveu uma nota de três, e ficamos acertados.

– Vocês terminaram a cena? – disse Rei Wesley, o Samp – Eu tenho um problema real a resolver aqui.

– Mas seu reino é feito de problemas – eu disse.

– Francamente, Primeiro Ministro – respondeu Patricia –, tenha mais sensibilidade, por favor!

– Sim, com certeza meu trabalho é gerenciar problemas. – continuou Rei Wesley – Mas, dessa vez, é um problema grave e fora do esperado. Estou com uma infestação de problemitos.

– De quê? – perguntamos Eu e o Povo ao mesmo tempo.

– Problemitos. – continuou o monarca – Isso aqui! – disse, enquanto virava uma caixa sobre Minha Escrivaninha.

Da caixa, saiu... Bom, não sei definir o que era aquilo. Um animal meio gosmento, parecendo uma lagarta supercrescida, de coloração cinza-amarronzada, com olhos esbugalhados, antenas saltadas, pernas curtas e um rabicho que seria fofo, se não fosse tão bizarro. Uns oito deles.

– Que marshmallow flor do arco íris é isso?

– Olha a boca, Frederico!

– Bom – continuou Rei Wesley –, a bem da verdade, não sei bem o que são. Apareceram em Brasóliápolis algum tempo atrás. De início, eram apenas alguns, até achava meio fofinhos. Mas foram se multiplicando, e não há nenhum predador pra eles! Na verdade, ninguém quer isso! E agora, estão por toda parte, em todos os cômodos do meu castelo, nas ruas... Não sei mais o que fazer.

– Pode começar tirando da Minha Escrivaninha.

– Vossa Ministreza podia ser mais sensível com o problema alheio, não acha? – disse o Povo.

– Posso. Sinto muito pelo seu problema. Agora, pode tira-lo de cima da Minha Escrivaninha, por gentileza?

Patricia virou os olhos, num claro gesto de desprezo pela minha fala. Estava toda sensibilizada com o problema do Rei Wesley, mas não se compadecia do que acontecia em Meu Gabinete, perto de sofrer uma infestação de problemas alheios!

– E eu acho que vocês dois podiam discutir essa relação em outra oportunidade. – disse o Rei visitante – Francamente, vocês dois! Parecem cunhados! Enfim, agora que sabem o assunto que trouxe comigo, irão me levar até o Salão do Trono?

– Oras – disse Patricia –, deixe de drama o senhor também, Vossa Problemajestade. Não é um problema tão grave assim.

– Como não? São até bonitinhos, concordo. Mas são inúmeros, infinitos! Não param de se reproduzir!

– Mas são fáceis de resolver. Embrulhe em um tecido bonito, dê um nome fofo e venda. Simples.

– Como?

– Assim, observe.

Nesse momento, por pouco não sofri um infarto. O Povo dirigiu-se à Minha Janela e, num claro gesto de desrespeito ao Meu Gabinete e ao patrimônio da Vacilândia, arrancou as cortinas violentamente. Antes que pudesse protestar, ergueu a mão com o indicador apontado para cima, obrigando-me a manter silêncio. Então, embrulhou o problemito no tecido e foi em direção à porta do Meu Gabinete. Ao abri-la, o Marechal passava em frente à porta.

– Marechal.

– Senhora! – respondeu ele, surpreso com o chamado repentino.

– Senhora é a sua adorada esposa! Francamente, Marechal! Tenho aqui uma oportunidade única e especial. Uma Naninha à venda. – e mostrou o problemito embrulhado.

– Hum, parece interessante. Quanto é?

– Quinze bocoletas.

– Só? Deve ser uma bela de uma porcaria, pra custar tão pouco. Não quero, obrigado.

– E o que acha dessa? – então ela se virou de costas, mexeu um pouco no tecido e voltou ao Marechal – É um modelo de luxo, custa oitenta bocoletas.

– Tudo isso? Oras, que absurdo! Os salários das Forças Armadas Vacileiras da Vacilândia não são tão altos assim. Não poderei comprar, infelizmente.

– Faço por setenta e nove.

– Me vê três, por favor.

– Um momento. – e então ela voltou para dentro, pegou outros dois problemitos, envolveu-os no que restava da Minha Cortina e os entregou ao Marechal. – Aqui estão, Marechal. Divirta-se. – e fechou a porta.

Eu a encarava, enfurecido. Rei Wesley, o Samp, a olhava com admiração e surpresa.

– Céus, que ideia fantástica!

– Eu sei. – ela disse, evidentemente se gabando.

– Minha Cortina também era fantástica... – eu disse, mesmo sabendo que seria ignorado.

– Mas... qual tecido usar?

– Fácil – disse eu, tentando participar da resolução da história e, assim, mostrar que também era inteligente e capacitado para resolver problemas de todo tipo, enquanto tentava esquecer Minha Falecida Cortina –, podemos usar aquele tecido... É... Ahn... Aquele com nome de cidade...

– Cambridge? – disse o Rei Wesley.

– Não, Guapiaçu, acho que é isso! – respondi.

– Francamente, vocês dois! Estão me tirando a pouca paciência que tenho. O nome do tecido é Oxford. Vossa Problemajestade tem algo mais a tratar conosco? Acho que não será necessário tratar disso com Rei Rafael I (e único), certo?

– Certo... – respondeu ele, algo hesitante. – Mas ele está no quarto? Posso passar lá só pra... Bom... Matar a “saudade”?

– Por mim, você pode fazer o que quiser. Discuta isso com a Rainhadrasta Jujuba. Se me dão licença, vou me retirar. Tenho assuntos a tratar com o Ouvidor. – e se retirou, batendo a porta com firmeza.

– O Povo da Vacilândia é incrível, certamente. – disse Rei Wesley, após a saída de Patricia.

– Olha, acho que nosso povo tá na média. Felizmente, eu estou acima da média. Bem acima da média.

– Sinceramente, Primeiro Ministro, um dia quero saber se você realmente é tão tolo assim, ou se finge. – disse-me ele – Porque não é possível que tanta tolice seja natural... Mas enfim, se me dá licença – continuou, enquanto recolhia os outros problemitos –, preciso fazer uma visita ao Rei Rafael e retornar ao meu reino, para iniciar uma pré-venda das Naninhas. Passar bem, Ministro.

E assim se foi, levando consigo seus problemas que, agora, se tornavam rentáveis. Rumores posteriores que chegaram à Vacilândia contavam que a pré-venda foi um “sucesso”, tendo alcançado até mesmo lugares tão tão distantes como a cidade onde o trem subterrâneo não chega. E assim, Rei Wesley, o Samp, Pinguíncipe do Norte, Rei dos Problemas, conseguiu solucionar tamanha complicação, graças à ajuda do Primeiro Ministro e da Primeira Cortina da Vacilândia. Com alguma participação do Povo, também.

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