Foi tudo um mal entendido...

"Então é isso, foi tudo um mal entendido..." disse ela. E sorriu. Uma doce e carinhosa ironia, ali, no meio daqueles lençóis flanelados, simples e rústicos, porém quentes e aconchegantes como nunca experimentara antes. Não entendia. Ou melhor, entendia, mas ainda não aceitava. As cores eram mais coloridas. Os cheiros mais cheirosos. Os toques mais intensos e sons mais melodiosos. Era tudo tão real que nem mesmo parecia realidade. Era tudo tão... vibrante... claro... natural... Quase como se não pudesse ser diferente.

"É... acho que foi mesmo..." disse ele em outra doce e carinhosa ironia naqueles mesmos lençóis. Sorrindo. Aquele sorriso que há tempos não lhe saía do rosto, quase como uma paralisia de Bell que idiopaticamente acomete os incautos. Mas, apesar da incautela de sua parte, ele bem sabia que não havia idiopatia nenhuma naquele espasmo muscular, pelo contrário, era uma etiologia muito bem conhecida. Um mal entendido...

Tudo começara sabe-se lá quanto tempo atrás. É impossível contar passado e futuro quando apenas o presente existe. Mas independente de quando, ele lembrava das vestes azul-celeste que ela usava quando se viram uma primeira vez. Aquele mesmo tom de azul que serve de fundo para os anjos que habitam o Éden. Pelo menos, era assim que ele se lembrava. Ela bailava por aquele salão de poucas janelas, deslocando-se graciosa e precisamente, como se tivesse certeza do que fazia, tal e qual um pássaro que dança pelos céus. O mal entendido começou ali, quando ele não entendeu quem era ela. E continuou ali, quando ela não viu quem era ele. Era apenas mais um dentre tantos, num terno azul-marinho como os oceanos mais límpidos e profundos. A diferença era apenas um sorriso fácil e uma atitude espontânea, repleto de graciosidades e acrobacias, tal e qual um golfinho que rasga a superfície d'água. E tudo começou com um gracejo, uma inocência. "Precisa de alguma coisa?" perguntou ela. "Um pouco de atenção" respondeu ele, sorrindo. E ali estava destruído o gelo que os separava.

Mudaram-se os tons de azul. Variou-se para verde, branco e até mesmo cor-de-rosa. Sempre vestidos esvoaçantes e ternos de fino corte. Sempre naquele salão de poucas janelas, onde ela voava graciosamente e ele nadava acrobaticamente. O mal entendido continuou quando ela, inocentemente, aceitou um convite não tão inocente da parte dele. Mas foi um programa puro e simples, sem malícia e sem segundas intenções, apenas pelo prazer da presença. Mas uma presença que deixou as coisas ainda mais difíceis de se entender. Um misto de será? com um toque de que bom! e um leve aroma de vamos de novo?! E nenhum dos dois entendia...

"Ainda bem que entendi tudo errado, então..." foram palavras nunca ditas. Caladas em ambos os pensamentos que as formularam. Ele sorria. Ela não entendia. E ambos viviam. Intensa e naturalmente, como se cada dia respirado até o momento fosse apenas uma espera. E não se sabia como resolver aquele mal entendido. Não se buscava solução para aquele mal entendido. Ele, por si só, era o mal entendido mais bem acertado que se podia esperar. E visto que não há necessidade de cura quando não há males a serem resolvidos, só o que lhes resta é deixar o entendimento de lado e viver aquela realidade, tão surreal que até parecia verdade...

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